O CPC estabelece no artigo 291 que toda causa deve ter um valor certo atribuído, ainda que não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível.
O valor da causa é um dos elementos essenciais da petição inicial, seja de uma ação comum ou de uma reconvenção, e está previsto no artigo 292 do Código de Processo Civil.
Apesar de às vezes ser negligenciado, ele possui grande relevância prática tanto para o autor quanto para o réu, influenciando questões como competência, custas, honorários e até a forma como o processo se desenvolve. Isso porque o valor da causa pode determinar o rito processual e onde o processo seguirá.
Este artigo busca explicar, de forma clara e fundamentada, como o CPC disciplina o valor da causa, qual sua importância prática e quais são as principais controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.
Conceito de Valor da Causa
O valor da causa é a expressão econômica do pedido formulado pelo autor, ou seja, a quantificação monetária daquilo que se pretende obter judicialmente.
Ele deve refletir, tanto quanto possível, o proveito econômico perseguido, conforme estabelece o CPC.
O artigo central é o art. 292 do CPC, que disciplina a forma de calcular o valor da causa em seus incisos e parágrafos como veremos a seguir:
Valor da Causa na Ação de Cobrança
I – na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação;
Na ação de cobrança o valor da causa engloba não só a dívida principal como os juros de mora vencidos, além de outros encargos ou penalidades estipuladas ou legais até a data da propositura da ação.
As ações de cobrança podem ser objeto de impugnação ao valor da causa em razão das verbas que compõem o proveito econômico, se possíveis de serem agregadas ou não à dívida, nos termos do inciso I do artigo 292.
Importante observar, porém, que ao contestar a ação, os devedores podem questionar a existência e validade das verbas, vindo a modificar ao final da ação o próprio conteúdo econômico da causa, sem que isso interfira no valor da causa estipulado na inicial. Isso porque a impugnação ao valor da causa somente ocorre na contestação ou de ofício pelo Juiz, visando enquadrar o valor estipulado à dívida e acessórios.
Portanto, a análise do mérito sobre a dívida não influencia no valor da causa.
São exemplos de ação de cobrança: de aluguel, de condomínio, de mútuo.
Valor da causa na ação que vise declarar a existência, validade, condenar ao cumprimento ou à modificação, resolução, resilição ou rescisão de ato jurídico:
II – na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida;
Nas ações que tenham por objeto a validade, o cumprimento ou a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou sua parte controvertida.
Essas ações, normalmente dizem respeito a atos jurídicos celebrados por contratos e assim, o conteúdo econômico corresponde à parcela impugnada, ou seja, se todo o valor do negócio jurídico, como a anulação total de uma compra ou venda, ou se parte dela, como o valor de juros reputados excessivos num empréstimo.
Valor da Causa na Ação de Alimentos
III – na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor;
Quando se trata de alimentos, o legislador disciplinou um período de 12 prestações mensais pedidas na ação, de forma que a estipulação do valor da causa na ação de alimentos não gera grande complexidade.
Valor da Causa na Ação de Divisão, de Demarcação de Reivindicação
IV – na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido;
Na ação de divisão, demarcação ou de reivindicação de terras o código estipula que o valor da causa corresponde ao da área ou bem objeto do pedido. A previsão expressa norteia os pedidos e decisões, deixando claro para as partes os parâmetros para fixação do valor da causa e prevenindo, assim, o alongamento de discussões sobre a questão.
Valor da Causa na Ação Indenizatória
V – na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido;
Na ação indenizatória a fixação do valor da causa também é muito simples, limitando-se ao valor da indenização pretendido.
Valor da Causa na ação em que há cumulação de pedidos
VI – na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles;
Se houver cumulação de pedido, o valor da causa deve ser fixado na quantia da soma de todos eles. Ou seja, o conteúdo econômico da causa são todos os pedidos, por isso, o valor da causa é a soma dos pedidos.
Valor da Causa na Ação em que os pedidos são alternativos
VII – na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor;
Se existirem pedidos alternativos, o valor da causa é o do pedido de maior valor. Um critério que aparentemente visa tão somente escolher um dos pedidos pois só um deles poderá ser concedido, sendo por lógico, aquele de maior conteúdo econômico.
Valor da Causa na Ação em que existe pedido subsidiário
VIII – na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal.
Nas ações que possuem pedido subsidiário, aquele que se apresenta como um segundo pedido, caso o primeiro não seja acolhido, o valor da causa é o do pedido principal.
Ainda, cabe trazer os critérios expressos nos parágrafos do artigo 292 do CPC:
- 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras.
- 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações.
Nos parágrafos §1 e 2º do artigo 292 o CPC disciplina os critérios para fixação do valor da causa em ações que se pedem prestações vencidas e vincendas (as que vierem a vencer).
São exemplos de ação com prestações vencidas e vincendas:
– Ações para concessão de benefício previdenciário ou de revisão do benefício;
– Ações para revisão de contrato de empréstimo com base na alegação de encargos excessivos;
– Ações para revisão de contrato ou saldo devedor de consórcio com base na alegação de saldo devedor excessivo.
Importância do Valor da Causa
A fixação adequada do valor da causa não é apenas formalidade. Isso porque algumas situações e institutos processuais que impõe o pagamento de pecúnia baseiam-se no valor da causa. São as seguintes situações:
– Recolhimento de custas processuais
As taxas judiciárias geralmente são calculadas sobre o valor da causa. Valores incompatíveis podem gerar excesso ou insuficiência de custas.
– Fixação dos honorários de sucumbência
O art. 85 do CPC estabelece que, nas causas de conteúdo econômico mensurável, os honorários variam entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou do valor atualizado da causa.
Dessa forma, o valor da causa pode influenciar diretamente na fixação no valor dos honorários, cabendo às partes, portanto, atribuírem valor correto.
– Determina o rito processual e consequentemente a competência
O valor atribuído à causa pode determinar o Juízo em que ela será processada. Nos Juizados especiais a competência é fixada em razão do valor da causa que é limitado a 40 salários-mínimos na Justiça Estadual e a 60 salários-mínimos na Justiça Federal.
– Interesse econômico discutido
Para fins de recurso ou de cálculo de depósito recursal, o valor da causa serve como parâmetro de impacto financeiro.
Comentários Jurídicos Relevantes sobre o Art. 292 do CPC
O valor deve corresponder ao pedido — não ao prejuízo
Mesmo que o autor alegue dano moral de grande extensão, o valor da causa deve refletir o quantum pretendido, e não a gravidade subjetiva da ofensa. De sorte que a causa deve ser valorada pelo seu conteúdo econômico expressado nos termos do art. 292, conforme o tipo de pedido/obrigação que se pleiteia na ação.
Obrigações de fazer ou não fazer
As ações que buscam obrigação de fazer também indicar o valor da causa.
O art. 319, inciso V, do CPC, impõe como requisito da petição inicial que nela conste o valor atribuído à causa. Assim, nenhuma causa poderá ficar sem a atribuição de seu valor.
Confira-se o teor do art. 319 do CPC:
“Art. 319. A petição inicial indicará:
I – o juízo a que é dirigida;
II – os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;
III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV – o pedido com as suas especificações;
V – o valor da causa;
VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII – a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
(…)”
Exemplo: ação buscando fornecimento de medicamento → o valor da causa deve corresponder ao custo do tratamento anual ou estimado.
Assim também a ação de fazer e de não fazer reflete o conteúdo econômico da obrigação.
Ações declaratórias
Quando não há condenação, o CPC considera o valor do bem da vida que se quer resguardar.
A jurisprudência reforça:
“Ação declaratória deve ter como valor da causa o valor econômico do bem jurídico discutido.”
(STJ, AgInt no REsp 1.735.993)
Impugnação do Valor da Causa e retificação de ofício pelo Juiz
A parte ré pode impugnar o valor atribuído à causa em preliminar da contestação, conforme previsão do artigo 293 e 337, III do CPC,
Ainda, o valor da causa poderá ser corrigido de ofício pelo Juiz, caso identifique que não corresponde ao conteúdo econômico do pedido ou proveito econômico pretendido na ação (art. 292, §3º).
Se o valor da causa estiver errado, o juiz determinará sua correção, o pagamento da complementação de custas ou o recolhimento das custas correspondentes, caso não tenha sido recolhido nenhum valor.
Jurisprudência Relevante
O valor da causa deve refletir o proveito econômico
O STJ consolidou o entendimento de que nas causas sem conteúdo ou sem um valor de proveito econômico definido, o valor da causa deve ser atribuído por estimativa:
2. Esta Corte tem entendimento consolidado no sentido de que, na impossibilidade de mensuração da expressão econômica da demanda, circunstância não verificada na espécie, admite-se que o valor da causa seja fixado por estimativa, sujeito a posterior adequação ao valor apurado na sentença ou no procedimento de liquidação. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.641.888 – PE (2013/0378684-9).
O CPC fixa os percentuais de honorários que podem ser aplicados pelo juiz na condenação, contudo os honorários podem incidir sobre o valor da condenação ou da causa quando não há condenação, vide o artigo 85
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECLAMO DA PARTE ADVERSA. INSURGÊNCIA DA PARTE EMBARGADA.
- Inaplicabilidade da Súmula 126/STJ, dada a inexistência de regramento constitucional a ser combatido no acórdão recorrido. Precedentes.
- A jurisprudência desta Corte Superior consolidou-se no sentido de que “o artigo 85, § 2º, do CPC veicula a regra geral e obrigatória (ordem de preferência) de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento): (i) do valor da condenação; (ii) do proveito econômico obtido; ou (iii), não sendo possível mensurar o proveito econômico, do valor atualizado da causa (REsp n. 1.746.072/PR, Segunda Seção, DJe de 29/3/2019).” (REsp n. 2.223.264/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 29/9/2025, DJEN de 2/10/2025).
- A Corte Especial do STJ, ao julgar o Tema Repetitivo 1076, firmou as seguintes teses jurídicas: “i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do art. 85 do CPC – a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.; ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.” (REsp n. 1.906.623/SP, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 16/3/2022, DJe de 31/5/2022.)
- Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp n. 1.759.717/PE, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 24/11/2025, DJEN de 27/11/2025.)
Conclusão
O valor da causa é mais do que uma formalidade: é um elemento essencial para a ordem processual e para a adequada prestação jurisdicional. A sua mensuração interfere na apuração de custas processuais e fixação de honorários e, portanto, deve ser aferido de forma correta e precisa.
O CPC, nos artigos 291 a 293 estabelece critérios sólidos e objetivos para fixação do valor da causa, buscando precisão e justiça na representação econômica do pedido.
O artigo 292 do CPC, em seus incisos, disciplina a forma como deve ser fixado o valor da causa.
Para advogados, estudantes ou leitores interessados, compreender o tema é fundamental para confeccionar a petição inicial de forma correta e alinhada às normas processuais.
Além disso, o conhecimento sobre a fixação do valor da causa permite ao advogado que apresente impugnação correta na hipótese de ocorrer irregularidade na atribuição do valor.
